Belas, singelas, donzelas,
Sem elas o mundo não vai pra nenhum lugar
Santas, rainhas, meninas,
Com elas o mundo aprendeu a girar
- Agora que são elas (Lenine e Dudu Falcão)
Acordar depois de uma noite mal dormida era sempre algo difícil. A coluna reclamou prontamente no início do alongamento matinal. Primeiro, esticou os braços acima do corpo, parecendo uma gata. Dobrou corpo pra direita depois esquerda. O dia havia começado.
Com passos de uma caçadora, se esgueirou pelo quarto, esperando que nenhum barulho acordasse o marido, não que ele se preocupasse com isso, daqui a pouco tinha que levantar também. Devagar, largou o frio sonolento do quarto e foi pro calor que só dizia por que acordou agora?. Entrou no quarto das crianças, assumindo a postura de general. O sono tinha que acabar agora. Abriu a cortina e desligou o ar. O sol pálido da manhã fez os olhos arderem um pouco e a pequena havia sentido o mesmo, pois coçava os olhos e resmungava, ininteligível. O garoto da cama ao lado só se preocupou em puxar o lençol para cima da cabeça. "Se quando eu sair do banho, não tiver na cozinha, você vai pra escola assim mesmo! De pijama e bafo!". O dia definitivamente havia começado.
Assim que saiu daquele quarto, desmontou a armadura e voltou para o gelo do seu quarto. Se arrastou para o closet sem um objetivo claro, mas basicamente usava um uniforme.
Uns 45 minutos depois, ao sair do banheiro, já estava pronta: nenhuma cor gritante e sapatos na mão. "Hora de acordar, querido! Hoje você vai de ônibus, metrô, táxi. Dá seu jeito, tô precisando carro."
Como esperado, o mais velho ainda estava no banho enquanto os passinhos delicados da mais nova eram ouvidos na cozinha. Bateu na porta e, como não havia ninguém dormindo no apartamento, gritou por pressa.
Ao chegar na cozinha, com o pente em punhos, começou a desembaraçar o cabelo da pequena. O mais velho chegou durante o processo. "Pega a maçã na geladeira e coloca na merendeira.", antes que o menino falasse mas, "Sem mas, nem meio mas. Trakinas não alimenta ninguém!".
Quando todos estavam prontos, saíram, pegaram o elevador e o carro que estava ajudando a pagar. Quando girou a ignição, olhou para trás procurando a pasta. "Filho, pega a pasta da mamãe!". Percebeu que estava demorando demais. Ficou impaciente batendo os anéis no volante. Reclamou do irmão com a pequena que só ouvia. Quando outro chegou, só se esforçou e bufar e partiu.
Largou as crianças no colégio, já pensando que ano que vem teria que mudar o menino de escola. Acelerou pela rua e ligou o GPS para pegar o caminho mais rápido, embora a Linha Vermelha fosse inevitável. Estacionou com a excelência de sempre quando e viu que o carro do mais falastrão da empresa estava torto na vaga. Colocou o salto e saiu correndo com blazer no braço. Entrou no elevador e o colocou. Instintivamente se olhou no espelho, ajeitou os cachos e reparou se o rímel estava no lugar certo.
O elevador abriu e ela se encaminhou para sua sala de diretora. A estagiária gordinha estava de pé esperando por ela. "Amo sua pontualidade. E sempre linda!", e essa era uma das falas que poderia jurar que eram sinceras. As duas andaram fazendo o toc-toc dos saltos ecoarem pela empresa de engenharia que estava calma por enquanto. Entraram na sala de reuniões confiantes. As únicas mulheres dali. Disse um bom dia sorridente, mas não gostava de metade daquela sala. Uma parte apenas tolerava. E somente se importava com o presidente que sempre ouvia todos com paciência e sem julgamentos prévios. Discutiram sobre o novo projeto. Na última semana, havia fracassado em sua atuação, mas, dessa vez, atingiu seu objetivo. Seu projeto foi aceito e sabia que uma parcela do crédito ia para sua parceira.
Impressionantemente, encontrou uma pilha de relatórios que não tinha lido ontem. Precisava deles para a próxima reunião. Xingou baixo quando leu um relatório mal feito e com erros graves. "Oh, meu Deus! Queridinha, chama ele!".
O homem surgiu com um sorriso grosseiro. Mas ela simplesmente ignorou. Prendeu o ar porque sabia que aquele era primo do chefe. Sugeriu que ele entrasse num curso de português para brasileiros e o viu ir embora 1% acuado, mas 99% sonso.
“São pessoas desse tipo que afundam a nossa empresa”, disse sem papas na língua durante a reunião. “São pessoas desse tipo que afundam o país”, deixou-se ser ácida. Com o dever cumprido, olhou o relógio de parede que marcava fim do expediente. Hora de buscar as crianças. A menina fazia futebol e o menino capoeira àquele horário. Uma van os teria buscado e a mãe os levaria para casa.
Chegando ao apartamento, lavou as mãos e abriu a geladeira. Hora de fazer a janta. Amarrou um coque como pôde para não suar tanto e para não deixar o cabelo cair na comida. Enquanto a comida estava no fogo, foi ver o que as crianças haviam feito na escola e ver se o que eles fizeram hoje à tarde estava correto. Ensinou uma os duas coisas para os dois do dever de casa e foi ver se janta estava pronta. Os filhos não pareciam estar com fome então simplesmente foi tomar banho.
Quando saiu do banho, o marido estava sentado em sua cadeira com o ventilador ligado no máximo. Sem ninguém perguntar nada começou ele: “Hoje apareceu uns gringos lá e eu tive que recebê-los. Não sabia que o meu inglês estava tão enferrujado...” e desembestou a falar sobre o dia cansativo. Com a leveza que sempre teve a mulher se encaminhou para a cozinha e começou a arrumar a mesa acompanhada das crianças. “Eles não ficaram calados um segundo, meu amor!”, terminou ele se encaminhando para a mesa. “Realmente seu dia foi muito cansativo”. Quis rir. “Como foi o seu?”, perguntou ele. “O de sempre, querido! Nada que você queira ouvir”. Preferia reclamar de sua vida consigo mesma.
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