segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Terceira Dose de HP: Plot Twist

[...] - Mas ele traiu meus pais!
- Assim é a magia no que ela tem de mais profundo e impenetrável, Harry! - Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, pág. 313


Enfim chegou a vez de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban que é a terceira dose de Harry Potter do ano. Juro que achei que ia demorar mais tempo para ler a série, por isso eu vou passar ler um livro antes de ...Cálice de Fogo. Vamos ao tema da postagem.
Todos amam quando acontece porque é um dos artifícios que mostram bastante a inteligência do autor e JK Rowling sabe usar com maestria. Eu estou falando de Plot Twist. Hoje é dia de reviravolta sim. E a autora já me banhou do mecanismo 3 vezes para eu ignorar.
Por ser uma narrativa em volta de mistério, com pitadas de aventura, Harry Potter é uma série que busca a surpresa para o leitor. Nos 5 últimos capítulos a escritora arma uma trama que vai acelerar o ritmo de leitura e a história começa a ser elucidada, embora ninguém saiba em qual sentido aquela enxurrada de informações vai.
Genialmente, Rowling usa quatro métodos para nos brindar com um final de tirar o fôlego. Nesse livro específico nós temos um vilão claro, Sirius Black, e nenhum claro antagonista a esse personagem a não ser o Harry, que não pode fazer nada com o assassino em massa recém-foragido que afirma estar indo à Hogwarts. E apresenta todas as provas palpáveis para isso.
Uma pena que todas essas provas eram red herrings. Red herrings são as pistas falsas que chamam mais atenção que as pistas verdadeiras. Eu pessoalmente não consigo enxergar uma pista falsa maior em Prisioneiro de Azkaban que não seja o Bichento, o gato de Mione. Eu cheguei a achar que o Bichento era o próprio Black. Assim foi com o comportamento do Snape no primeiro livro, e as aranhas, no segundo.
Outro recurso que JK Rowling usa é a descoberta, ou nome feio anagnórise. Até o final do livro, até as últimas linhas das revelações de Black, a gente não acredita nem em um terço do que ele fala. Mas Perebas é Pettigrew e essa revelação muda toda a visão sobre a noite da morte de Lílian e Tiago Potter. A anagnórise é uma revelação que clareia partes do enredo e muda toda a visão do protagonista e do leitor sobre o que já fora narrado. E o que dá base a isso é o flashback.
Os relatos de Sirius Black e Profº Lupin remontam e levam o leitor há anos atrás, para a noite em que Voldemort perde seus poderes. Os flashbacks vão montando argumentos sobre as ações do presente e sobre eventos sem explicações do livro, como o ódio do Bichento por Perebas, ou a raiva de Snape por Lupin.
Por último, e não menos importante, vem o método que a solução é apresentada para fazer um final quase feliz e eu estou falando da "arma de Chekhov", nesse livro, mais conhecido com vira-tempo. Chekhov's gun é um recurso que preza que alguma coisa seja apresentada no começo do livro e que o leitor "esqueça" ou ache inútil o objeto. O vira-tempo não é apresentado fisicamente, mas a gente realmente ficou desinteressado em saber como a Hermione conseguia assistir aulas em um só horário, até que o item é revelado e provoca, literalmente, uma mudança no curso da história.

Pelo que acabei de mostrar, JK Rowling realmente esbanja inteligência em cada linha que escreve e, com certeza, é minha autora favorita por tudo que ela passa para as páginas. Desde A Pedra FIlosofal até Vocação para o Mal, a britânica mostra como seus livros foram melhorando e como o suspense cerca o seu estilo.
Viva JK Rowling!
Até segunda e aguardem Harry Potter e o Cálice de Fogo.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

"Mandume"

Eles querem que alguém 
Que vem de onde nóis vem
Seja mais humilde, baixe a cabeça
Nunca revide, finja que esqueceu a coisa toda 
Mandume,Emicida.

Após conhecer essa música há dois meses no dia do meu aniversário não para de martelar minha cabeça. Emicida e outros rappers se inspiram no símbolo de resistência africana Mandume Ya Ndemufayo para falar da resistência negra no Brasil.
Para quem não conhece e talvez nunca tenha ouvido, Rei Mandume foi o último líder cuanhama entre o sul da Angola e o norte da Namíbia, o que durante o Neocolonialismo se chamava Sudoeste Africano Alemão. Mandume foi escolarizado por missionários protestantes, mas morreu ao resistir ao avanço de Portugal e da Alemanha em seu território. E, por dar a sua vida pela defesa de sua cultura e suas origens, ele morreu em 1917 e é reverenciado nesse rap interpretado por Emicida, Drik Barbosa, Amiri, Rico Dalasam, Muzzike e Raphão Alaafin.
O primeiro a cantar é a rapper  Drik Barbosa que fala com peso sobre o Feminismo Negro. A primeira é a presença da personagem fictícia Tempestade de X-MEN, mas ela passa pela objetificação representada pela Globeleza. Felizmente, ela toca na ferida sobre a tragédia abominável que resultou na morte da moradora de uma favela na Zona Norte do Rio de Janeiro que foi arrastada por 350 metros por um carro da PM em 2014. Isso ainda ajuda a ratificar a potência que tem uma jovem que passou para Medicina em 1º lugar na USP, sendo negra e da periferia A casa-grande surta quando a a senzala vira médica.
Na parte seguinte, o rapper Amiri mencionar apropriação, ele apropriação cultural que posteriormente Muzzike vai abordar com mais agressividade. Além desse tema, ele busca mostrar as heranças históricas do povo negro através de nomes com Zumbi, Sundiata Keita (fundador do Império Mali), o próprio Mandume e a figura de um alimamo, um líder espiritual do grupo étnico Mandinga, associado ao hino da África do Sul (Nkosi Sikelel, mano).
Mandume não poderia fugir da violência urbana que assola a periferia e o jovem negro, principalmente. Rico Dalasam afirma que os mortos não serão trazidos de volta ao citar esses três jovens no começo da sua parte (Não trarão de volta Yan, Gambá e Rigue). Eu não sei se esse Gambá citado é o dançarino do passinho que foi assassinado por espancamento e asfixia por policiais durante uma perseguição em 2012, mas é mais um exemplo da falta de perícia de muitos PM's. A população brasileira não pode esquecer que os negros não param de ser vítima desde os tempos da escravidão. No mapa da violência de 2012, entre 2002 e 2010, 65,1% dos homicídios foram de pessoas negras, enquanto dos jovens mortos 69,1% pertencia à raça. Entre 2009 e 2011, em SP, 61% dos mortos por policiais era negro e, desses, 57% era homens de menos de 24 anos. O que mostra que a briga também é "resistir nesse campo de fardas".
Voltando à apropriação cultural, Muzzike não tem papas na língua para falar sobre a hipocrisia que acompanha o gesto. Não é usar itens da cultura negra que te faz não ser racista. O rap pode passar pelo branco rico sem trazer nenhuma reflexão que importe, um rap (La Revolução Tucana, hip hop reaça) não pode ser vazio. Esse rap não vai fazer de nenhum branco mais negro, ou nenhum rico mais "periférico". Vou deixar um vídeo sobre apropriação cultural aqui para você entender melhor. Talvez  eu mesmo escrevendo esse post possa nunca sentir o que essa música inteira representa, talvez eu entendo a letra, mas a força que isso tem dentro de um negro ou de alguém da periferia, não.
A afirmação de muitos negros passa pela religião iorubá que Raphão Alaafin vai defender. Ele "volta" no tempo para impedir a chegada dos Navios Negreiros. Desde que os negros chegaram em solo brasileiro a cultura ocidental cristã foi empurrada, afinal o Cristianismo tem 2,2 bi de fiéis no mundo não é à toa. Alaafin termina dizendo que as pessoas têm noções diferentes de um bom lugar. Enquanto alguns buscam Lisboa, a cidade reconhecida pela exploração no passado, o rapper busca conhecer Omonguá, lugar onde morreu o Rei que dá nome à música. Fica a reflexão.
Quem termina que vai falar do sucesso da música negra. O rapper vai mostrar as suas influências e com o rap se institui na atualidade, citando Lupicínio Rodrigues, Wilson Simonal, a figura do Zé do Caroço e do bairro de Nova Iorque Harlem. Mas não finaliza sem criticar criticar a falta de representatividade do negro no cinema e nas outras mídias.
O clipe do Laboratório Fantasma não acaba antes de dar uma espetada na Educação que não reflete sobre a posição dos negros na História da Civilização e foca-se no ensino sobre fatos europeus sem levar em consideração que nós temos a maior civilização negra fora da África (85.783.143 negros). Segue os versos:

É mais do que fazer barulho e ver retomar o que é nosso por direito
Por eles continuávamos mudos, quem dirá fazer história por livro feito
Entenda que descendemos de África e temos como legado ressaltar a diáspora de um povo oprimido
Queremos mais que reparação histórica, ver os nossos em evidência e isso não é um pedido
Chega de tanta didática, a vida é muito vasta para gastar o nosso tempo ensinando o que já deviam ter aprendido
Porque mais do que um beat pesado é fazer ecoar na sua mente o legado de Mandume
E no que depender da minha geração, parça, não mais passarão impunes.

Esse tipo de post é uma novidade que tentei trazer para o blog. Eu fiz umas pesquisas para interpretar uma música que eu gostei e achei um grito de representação, mas talvez eu nunca vá saber o que esse rap quer dizer pra quem vive essa luta com frequência.
Não lançar luz ao problema só piora. Então quem se depara com situações de preconceito velado e enraizado, problematize. Eu torço para que ninguém se cale.
Até segunda!

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Segunda Dose de HP - Terror Psicológico

A CÂMARA SECRETA FOI ABERTA. INIMIGOS DO HERDEIRO, CUIDADO.

JK Rowling consegue ser genial mais uma vez em livros policiais. Não, pera! Harry Potter é um livro infanto-juvenil... mas com terror psicológico... pra assustar criancinhas. Confuso?
O terror psicológico é um gênero que não precisa de um elemento que cause repulsa no leitor (zumbi, monstro sem cabeça, Samara), ele só precisa de, com sutileza, encaixar elementos que perturbem a mente dos personagens e aflorem a vulnerabilidade deles para que fique aquela torta de climão. E JK não poupa esforços em causar terror em Hogwarts.
Enquanto pessoas que foram petrificadas começam a aparecer nos corredores da Escola de Magia e Bruxaria e uma pichação acompanha o primeiro evento. A pichação diz que os inimigos de herdeiro de Slytherin
Um fato ainda piora a tensão em Hogwarts, nenhum professor é capaz de abrir a Câmara Secreta e muito menos encontrá-la. Dumbledore, principalmente, está na lista de incapazes. Enquadrar-se nesse cenário já dá arrepios e as coisas pioram.
Harry, Rony e Hermione, nessas idas e vindas ao banheiro interditado da Murta que Geme, encontram um diário. O tal diário de Tom Riddle que tem a capacidade que "falar" com quem possuísse o diário. Se não for terror psicológico o que Riddle faz com Gina Weasley, algo de errado não está certo.
Riddle persuadiu Gina se valendo da baixa auto-estima dela e reduz quase a pó o pouco que tinha. A caçula Weasley vai se afastando à medida que Voldemort ganha a confiança dela. Como ele força ela a cometer crimes beira o desumano.
JK Rowling conseguiu aplicar profundidade enorme ao tema com leveza impressionante. A situação chegou a me lembrar do Massacre de Realengo. Embora as ocasiões tenham origens diferentes, imagina o peso do que é ter um atirador na sua escola e ouvir e ver pessoas morrendo na sala ao lado ou na sua sala.
É ótimo ver como os livros de ficção são capazes de abrir discussões sem nenhuma pretensão. O que me deixa reiterar que toda criança deveria ler Harry Potter. Pelos dois livros que li, JK Rowling conseguiu transmitir mensagens diferentes, com uma narrativa policial leve e em um universo encantador.
Vou tentar postar pelo menos um desses textos de HP por mês porque eu estou lendo-os pela primeira vez. Espero que vocês leiam sobre os 7 livros até o início do segundo semestre, se eu interromper o espaço entre um livro e outro por um livro em dívida.
Aguardem o Prisioneiro de Azkaban.
E até segunda!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Resenha de "Fios de Prata"

Lembro-me de uma que ela disse que via pessoas rezando pelo mal do outro [...] E então ela pensava em quantas pessoas poderiam se inspirar naquilo e buscar metas maiores igualmente. Só que agora ela está naquela maldita cama sem como acordar. E eu me pergunto: quem vai sonhar por ela agora? - Fios de Prata, pág. 198


Advinha quem destruiu meu coração de novo. Raphael Draccon, dessa vez, com o livro Fios de Prata.
Como o autor já tinha alcançado o meu gosto fui na Bienal 2015 louco atrás de mais livros dele. Além de comprar o lançamento do ano Cidades de Dragão, comprei Fios de Prata, um livro de 2012 lançado pela LeYa.
Fios de Prata - Reconstruindo Sandman é um livro que se banha na obra de Neil Gaiman, Sandman, para criar algo próprio e potente, navegando pelo mundo dos sonhos e sua mitologia.
O ponto de partida da história é a ida do astro do futebol Mikael Santiago, o Allejo, a Paris para assinar contrato com o PSG e patrocinadores enquanto começa a ter terríveis pesadelos. Enquanto se ambienta em Paris, Allejo vai conhecer a ginasta gaúcha Ariana Rochembach por quem vai se apaixonar e se dispôr a ir ao Inferno por ela.
Enquanto o relacionamento de Mikael e Ariana evolui, os deuses do Sonhar começam a tramar estratagemas que vão alterar todo globo terrestre e seus sonhos e pensamentos, inclusive os dos nossos protagonistas que passam a se tornar peças  importantes do jogo de poder do plano onírico.
A construção da história para a situação conflito é muito interessante. Todos os personagens são lentamente criados, mas, mesmo assim, a narrativa não deixa se desinteressante e, sim, dinâmica. Os capítulos vão se alternando entre os pesadelos do Mikael, a real dele, os jogos de Madelein, o Anjo dos Sonhos Despertos, os planos de Phobetor e dos personagens periféricos que a gente tenta buscar o motivo da existência deles.
Os personagens que Raphael Draccon cria são de fácil apego e entendimento. Phobetor é a personificação do medo, da amibição e da inveja, afinal é o deus dos pesadelos. Morpheus é um rei que teme o pelo trono. Phantasos é o deus da fantasia e nem por isso não é lógico e racional. E Madelein é um anjo que quer vingança, mas também joga o jogo dos tronos como Mindinho.

Raphael Draccon também acerta quando amplia as consequências das decisões dos deuses na vida humana. São trechos de, no máximo, 3 parágrafos que contam e forma quase jornalística, seca e impactante o que está acontecendo ao redor do mundo.
Além disso, é um livro narrado através de metáforas interessantíssimas tornam este livro um dos mais inteligentes dele, assim como possivelmente o melhor do autor. A diagramação contribui para a grandiosidade da narrativa, às vezes até concretista.
Eu gostei bastante do final. Lágrimas positivas rolaram, mas eu puder perceber um ar acelerado(?) no momento que poderia ser lento. Aqui o jogo vai à guerra e, em um momento, é necessário voltar ao jogo, ao palavrório, e o Draccon se vale do recurso famoso "deus ex machina" para desacelerar.
Aconselho colocar Fios de Prata na frente da sua lista. Graças ao livro eu quero conhecer Neil Gaiman. Vamos tratar de achar barato Sandman.

Raphael Draccon merece esse mundo depois desse livro. Pode ter certeza que quando eu estiver escrevendo estarei debaixo da sua árvore, porque você é incrível.
Até segunda!